ÍNDOLE E TEMPERAMENTO, EQUIVOCADOS ENTENDIMENTOS | REVISTA RAÇA MARCHADOR

ÍNDOLE E TEMPERAMENTO, EQUIVOCADOS ENTENDIMENTOS

ARTIGOS

ÍNDOLE E TEMPERAMENTO, EQUIVOCADOS ENTENDIMENTOS

ÍNDOLE E TEMPERAMENTO, EQUIVOCADOS ENTENDIMENTOS

Mente sã em corpo são é um conceito que nos foi legado pelos gregos inventores das Olimpíadas. Há muito que a Educação Física adotou essa máxima como referência para a promoção da saúde. Isto quer dizer que saúde não é só física, mas também mental e emocional. Uma coisa tem a ver com a outra. Não há verdadeira saúde se um desses aspectos não vai bem. Fica, portanto, claro que saúde é um conjunto de bem-estar físico,
mental e emocional.
Pois bem, este conceito só foi incorporado também pela Veterinária há não muito tempo. Até o surgimento das atenções para com o Bem-estar animal e, portanto, com reconhecimento do conceito de senciência, isto é, da capacidade que os animais vertebrados têm de sentir dor e prazer, tristeza e alegria, a Veterinária e a Zootecnia pouco consideravam os aspectos mentais e emocionais dos animais. Felizmente isso está mudando, mas lentamente, pois ainda encontramos exemplos de confusão na ultrapassada visão antropocêntrica nas descrições zootécnicas dos padrões fenotípicos das diversas
raças brasileiras. Por visão antropocêntrica me refiro aqui ao pensamento de que só o ser humano tem espírito, sentimentos, inteligência e direitos. Os demais animais não. Na verdade, os mamíferos domésticos (não só eles) como, por exemplo, o cavalo, são dotados dos mesmos centros de emoções básicas no cérebro. Portanto aspectos da mente e das emoções são comuns ao homem e aos vertebrados. O homem só é diferente e superior mesmo na inteligência. Mas mesmo o reconhecimento dessa superioridade não significa dizer que os demais animais vertebrados não tenham inteligência em algum grau menor. E em outros aspectos mentais como, por exemplo, a memória, a superioridade humana é, muitas vezes, discutível.
Mas e daí? O que será que estou querendo dizer com o título deste artigo e com esta introdução? O que tem a ver a introdução com o título? É que o preconceito do antropocentrismo fazia com que os profissionais da Zootecnia pouca atenção dessem aos aspectos psíquicos dos animais. Mais ainda quando se tratava de animais de produção, com os quais a convivência íntima quase inexiste. A Veterinária, por sua vez, cuidava só dos
aspectos físicos. Afinal animal não humano não tinha espírito nem direitos. Muitos consideravam os animais apenas como “máquinas” vivas e por isso só tinham interesse econômico neles. Só interessava o que essas “máquinas” podiam render em termos de carne, leite, lã, ovos, couro, etc. Pouco interessava ou poucos consideravam se o animal era ou não feliz. Exemplo disso são todas as criações intensivas sob forma de confinamento
permanente, verdadeiros campos de concentração onde só o que não falta são rações, vacinas, antibióticos, hormônios e o que mais falta, além de espaço, é afeto e felicidade.
Agora vamos transferir para o cavalo esse contexto da falta de consideração para com os aspectos psicológicos. Aquela visão fria, imediatista, não perdia tempo com “frescuras” da mente e dos sentimentos dos animais. Assim sendo, pouco diferenciava índole de temperamento. Para aqueles que só tinham essa visão utilitarista índole e temperamento eram, mais ou menos, a mesma coisa. Daí a confusão. Pior, usavam o conceito qualitativo de um para descrever qualitativamente o outro. É fácil ver na descrição dos padrões fenotípicos oficiais esta confusão. Vou dar um exemplo. Temperamento: dócil. Esta redação, esta qualificação do temperamento é muito comumente encontrada nos padrões de várias raças eqüinas. Onde está a confusão? Ora, usaram a índole para qualificar temperamento. Dócil é um qualificativo de índole, não de temperamento que, aliás, este último,
não tem nada a ver com docilidade. Como a maioria das pessoas não estava afeita a dar atenção para aspectos psicológicos dos animais acabava confundindo uma coisa com a outra, tomando uma pela outra. Então vejamos o que é índole e o que é temperamento. Antes, porém, é preciso dizer que essa confusão pode ser encontrada até em dicionários da língua portuguesa. Mas é compreensível que isso ocorra. Dicionaristas não são especialistas em aspectos mentais e comportamentais dos animais. Os conceitos que colocarei abaixo partem da Biologia. A Zoologia é um ramo da Biologia, assim como a Zootecnia é um ramo da Zoologia dedicado à exploração econômica dos animais domesticados. Mas a base, os conceitos básicos da Zoologia e da Zootecnia devem partir da ciência mãe que é a Biologia.
ÍNDOLE
Índole é a predisposição mental do animal para se relacionar com outros animais da sua própria espécie e de outras espé-
cies, inclusive com a espécie humana. É a tendência ou não para o relacionamento. É o tipo de propensão natural para convivência com outros seres vivos. É o caráter do animal. São os aspectos morais dele. É a natural disposição ou não para a sociabilidade. Esta predisposição mental, quando é amistosa se diz que a índole é boa ou dócil. Quando a predisposição não é amistosa se diz que a índole é má ou indócil. Vale aqui mais uma observação quanto à índole. Às vezes um eqüino pode ser dócil para com os homens, mas de má índole para com os indivíduos da própria espécie ou de outras espécies, todavia felizmente esse caso é raro. Quando é dócil para com uma espécie geralmente o é também para com as demais. Este, entretanto, é um aspecto que deve ser analisado e pesado na hora de formação de grupos de convívio no manejo do rebanho ou do plantel.
TEMPERAMENTO
O temperamento do animal é a expressão da sua constituição neurológica, isto é, da organização do seu sistema nervoso. Em outras palavras, temperamento é a medida da excitabilidade, do controle e do tempo de resposta de um indivíduo aos estímulos ambientais. O temperamento dos eqüídeos costuma ser definido com cinco qualificativos. A seguir os descrevo. Temperamento indolente (apático) Indolente é o mais indesejável dos temperamentos, pois é o menos excitável, o menos sensível e o mais carente de energias. Temperamento assim torna o animal muito desatento, muito lerdo e praticamente indiferente aos estímulos. Não é passível
de melhora por treinos nem por cobranças severas. Esse tipo de temperamento é considerado defeito absoluto para o aproveitamento do animal, mas felizmente é bem raro na espécie eqüina.
Temperamento linfático (lerdo ou preguiçoso) O animal linfático é de fácil controle, mas pouco atento e de respostas lentas aos estímulos ambientais. Diz-se que o animal é de pouca “vida”, pouco vigor, mas é passível de ser melhorado pelo treinamento e pelas cobranças firmes.

Temperamento calmo (tranqüilo) Calmo é quando o animal é sereno, mas atento aos estímulos e de fácil controle. Sua velocidade de respostas aos estímulos
ambientais é moderada, mas satisfatória e pode ser aumentadapelo treinamento.
Temperamento enérgico (ativo) Enérgico é quando o animal se apresenta atento e de respostas rápidas aos estímulos ambientais, porém ainda com relativo fácil controle.
Temperamento nervoso (inquieto) O animal de temperamento nervoso é atento e de respostas rápidas aos estímulos ambientais, porém inquieto, geralmente bastante assustadiço e de bem difícil controle.
Nos cavalos de sela para lazer o temperamento ideal deve ser calmo. Nos de serviço de lida com gado o ideal deve ser o enérgico. Nos que fazem as duas coisas se admite como adequado qualquer dos dois temperamentos. Nos cavalos de sela para equoterapia o temperamento pode variar entre linfático e calmo, mas nunca enérgico e menos ainda nervoso.
No cavalo de sela para corridas, o temperamento ideal deve ser o enérgico, muito embora não seja raro e se aceite bem o nervoso. No cavalo de sela para as demais competições, dependendo de qual delas, o temperamento pode variar entre calmo a enérgico.
Temperamento de Sela é outra confusão A expressão, muito usada por alguns árbitros, que diz “este animal tem temperamento de sela”, na verdade não é clara nem precisa (no sentido de exatidão). É mais um exemplo de confusão terminológica e conceitual que fazem no contexto da Zootecnia. O erro não está na Zootecnia e sim no uso equivocado de certos conceitos zootécnicos. Sela não é qualificativo de temperamento e nem todo o cavalo de sela deve ter o mesmo temperamento. O desejável é que o temperamento esteja de acordo com a especialidade principal de uso do cavalo. Sela, no sentido fenotípico, significa tipo principal de uso, tipo principal de exploração, do eqüino. Sela, neste sentido, significa conformação básica apropriada para uso montado do cavalo. Função sela ou função tração? A espécie eqüina, quando típica de sela, pode assumir vários temperamentos e estes serão adequados quando estiverem de acordo as necessidades maiores do uso principal e específico na função sela.
Ressalto aqui que a recém fundada Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Persa Marchador felizmente não incorreu nesses erros ao descrever seu padrão fenotípico oficial. Índole dócil e temperamento adequado às principais especialidades de cada raça são o que todos devem procurar e é como deveria constar nos respectivos padrões fenotípicos oficiais.
 

Páginas da matéria
Raça Marchador Edição 4

Página 0 Página 1