DIFERENÇAS DO TRABALHO COTIDIANO COM CAVALOS NOS PAISES MAIS DESENVOLVIDOS | REVISTA RAÇA MARCHADOR

DIFERENÇAS DO TRABALHO COTIDIANO COM CAVALOS NOS PAISES MAIS DESENVOLVIDOS

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DIFERENÇAS DO TRABALHO COTIDIANO COM CAVALOS NOS PAISES MAIS DESENVOLVIDOS

DIFERENÇAS DO TRABALHO COTIDIANO COM CAVALOS NOS PAISES MAIS DESENVOLVIDOS

À convite do empresário Marcelo Baptista de Oliveira e da Cavalgadas Brasil, em 2011 fui à Alemanha buscar dois cavalos brasileiros para leva-los à Espanha, a fim de fazermos o Caminho de Santiago de Compostela. Os cavalos eram M. Marchador de afixo Maripá, criação e propriedade do Marcelo Baptista. Na ocasião, tive oportunidade de ver como era manejo dos cavalos no Centro Equestre Dieter Mader, onde esses dois animais estavam alojados.  Na mesma ocasião a amável Astrid Oberniedermayr, presidente da Associação Europeia do M. Marchador, gentilmente me levou para conhecer também vários outros estabelecimentos eqüestres, inclusive de outras raças, na Alemanha. Depois tive uma experiência muito rica viajando junto com os dois cavalos brasileiros de caminhão da Alemanha até a Espanha. Fui numa sala interna da carroceria, um compartimento para acompanhante, em frente ao box dos cavalos, onde podia conversar com eles e abastece-los de feno e água. No caminho paramos em alguns haras e hipódromos da França para descansar e também para carregar mais cavalos. Foi uma oportunidade de observar um pouco as práticas francesas de manejo. No norte da Espanha, ficamos alojados no Centro Eqüestre da medieval cidade de Cova Rúbias por uns 20 dias, com a finalidade de aclimatação dos Maripá, antes de iniciarmos a viagem montada à Santiago de Compostela. Depois de concluída, com sucesso, os 400 km de cavalgada até Santiago de Compostela, aproveitei para fazer um estágio na Inglaterra, no Hartleburi Equestrian Center, antes de voltar ao Brasil.

O que vou comentar aqui, portanto, são algumas importantes diferenças que tive oportunidade de observar nesses quatro países ditos desenvolvidos, comparando com o Brasil. Quase ninguém escreveu sobre essas diferenças. Daí a razão de ser dos comentários abaixo. Muita coisa poderá ser aproveitada para melhorar o trabalho e o uso do cavalo no Brasil.

 1)    Predominância de mulheres

A primeira e mais interessante diferença que chama logo a atenção é que, quanto mais desenvolvido o país, mais a atividade eqüestre está nas mãos femininas. Tratador (cavalariço), veterinário, criador, cavaleiro, treinador, concursista, domador, aluno, motorista de caminhão para transporte de cavalos, etc., em tudo há o predomínio do sexo feminino. E faz sentido. Com cavalo é preciso muito mais de jeito e delicadeza do que de força e coragem. Daí o predomínio das mulheres.

2)    Equipamentos

Nos equipamentos de trabalho, da rotina diária, as diferenças são muitas.

2.1) Garfo de limpar cama das cocheira

Só quem já fez o serviço diário de retirar os estrumes e urina das camas das cocheiras, sabe o quanto esse trabalho é pesado, principalmente quando as cocheiras são muitas. Nem tanto pelo estrume, mas principalmente pelo peso dos nossos garfos que são sempre de ferro. Mas os garfos deles, do “primeiro mundo”, são levíssimos, todos de plástico ou alumínio, facilitando muito o trabalho e evitando lesões por esforço repetitivo. E os plásticos usados são tão resistentes que nunca quebram. Com esses materiais se têm mais disposição para trabalhar, o trabalho rende mais e dá até mais disposição para se fazer o serviço.

2.2) Cabresto

O modelo mais usado de cabresto para manejo desmontado, head color em inglês ou cabeçada de quadra em espanhol, é parecido com aquele que temos de tiras chatas de nylon com fivela de ajuste na faceira esquerda, muito comum nos jóqueis clubes brasileiros. Mas lá, além da diferença de cada cavalo ter o seu próprio cabresto, as fivelas de abrir e fechar se situam, como as nossas, localizadas na faceira esquerda. Todavia lá, diferentemente daqui, acima da fivela na faceira vem também o diferencial de um mosquetão. Esse mosquetão é para facilitar a rotina de colocar e tirar o cabresto do cavalo. Se tivessem só a fivela, como os nossos, cada vez que se vai colocar o cabresto novamente é preciso atentar para o ajuste ideal. Procurar esse ajuste quando o cabresto já está na cabeça do cavalo, o qual normalmente nunca fica totalmente  estático, facilmente leva a erros ou involuntárias variações de tamanho. Exige, no mínimo, mais tempo e atenção para o ajuste correto. Então com o modelo deles, que possui o mosquetão, depois de uma vez devidamente ajustado o tamanho do cabresto através da fivela, não se meche mais nela. Apenas abrimos e fechamos o mosquetão e o cabresto estará sempre com o mesmo e adequado ajuste de tamanho ideal. Muito prático. Ganha-se tempo, principalmente se forem muitos animais, e é melhor para o cavalo pois o cabresto nunca fica apertado nem grande demais.

É verdade que podemos encontrar esses cabrestos também no Brasil, mas são difíceis de achar no comércio, geralmente importados e ainda constituem raridade entre nós. Todavia o modelo pode ser facilmente copiado por nossos fabricantes. Basta apenas acrescentar o mosquetão, sem dispensar a fivela.

2,3) Balde para urina

Assim como se educa cachorro para não urinar dentro de casa, lá é comum eles acostumarem os eqüinos a urinarem em baldes. Sempre há um balde por perto dos boxes ou cocheiras e até nas repartições internas dos caminhões de transporte. Enquanto os animais são alimentados, escovados, encilhados, medicados, etc., se algum eqüino resolver urinar a pessoa põe logo um balde em baixo, a fim de evitar molhar a cama ou o piso. Poupam cama e trabalho, além de aumentar a higiene.

2.4) Cilhas

As cilhas das selas, diferente da maioria das nossas, sempre têm uma parte de elástico. Isso facilita muito para quem estiver colocando a sela, pois evita ter que fazer força para que ela fique bem ajustada e, ademais, é muito mais confortável para o cavalo que, nos momentos de necessidade de grande inspiração de ar, não fica tolhido pela rigidez comum da nossa cilha.É verdade que já temos no Brasil esse tipo de cilha, mas geralmente é importada. Entre nós ainda é uma grande minoria, enquanto lá é a totalidade ou a grande maioria.

2.5)Capas de abrigo

Como o clima naqueles países é muito frio em certas épocas do ano e como nem todos os animais ficam encocheirados, um recurso muito comum é o uso de capas para abriga-los no inverno. Há capas contra frio, contra chuva e até contra moscas no verão.  Como os invernos são rigorosos e longos, às vezes cada animal precisa ter mais de uma capa para o mesmo fim. Enquanto uma é lavada e secada, outra semelhante precisa estar disponível. Agora imaginem um haras ou centro equestre com muitos cavalos. Isso demanda um grande depósito só para capas e uma lavanderia só para elas. Mesmo assim é, muitas vezes, mais econômico e mais saudável do que manter o cavalo trancafiado numa cocheira.  Não requer camas, não requer construção para cada animal e, principalmente, não enseja os tristes distúrbios de comportamento no eqüino que fica injusta e indevidamente muito tempo encocheirado.

 Em algumas regiões do Sul do Brasil, onde seria adequado usar essas capas, poucas pessoas fazem uso delas e mesmo assim quase nenhuma com a finalidade de substituir cocheiras.

    3)    Local de treinamento

Diferentemente do Brasil, praticamente todo haras lá tem pista de treinamentos, seja para salto ou, pelo menos e principalmente, para Adestramento. Entre nós a única instalação que já se tornou comum mesmo é o redondel. Para eles lá não se concebe criar cavalos sem, pelo menos, uma pista de treinamentos. Não tê-la seria como uma fábrica de automóvel não possuir sua pista de teste. Como vai vender sem primeiro testar se o produto é bom?

Ainda são poucos os haras no Brasil que dispõe de pista ou picadeiro, enquanto lá a maioria ou totalidade possui.

4)    A figura do cavaleiro profissional

Diferentemente daqui, lá também não se concebe um haras sem a figura de um cavaleiro profissional, seja ele residente ou prestador permanente de serviços de treinamento dos animais. Aqui entre nós não há a incorporação da figura do cavaleiro profissional e o mais comum é o tratador ou cavalariço abraçar, e geralmente mal, as funções de cavaleiro ou treinador profissional. Montar profissionalmente lá, com conhecimento teórico e experiência prática adquiridos com grandes mestres ou escolas, diferentemente daqui, é uma profissão comum e muito requisitada.

Também nisso poucos haras no Brasil estão adiantados. Temos bons cavalos, mas falta-nos bons cavaleiros para treinar tantos cavalos. A única escola regular e permanente de Equitação que possuímos é a do Exercito.

5)    Veículos para transporte dos cavalos

Naqueles quatro países, além de quase todo proprietário ter o seu veículo para transporte dos seus cavalos, há uma infinidade de opções. Há inclusive camionetes ou vans como as nossas, mas lá adaptadas de fábrica para transportar dentro os cavalos. Os caminhões têm porta de acesso com baixa e recolhimento automático e todos têm divisórias internas para cada animal. Muitos deles possuem, em cada divisória, cochos para água e para feno durante a viagem, além de câmera que transmite para o motorista a imagem dos animais a todo o momento. Outros chegam a ter inclusive repartição para uma pessoa viajar confortavelmente na caixa ou carroceria junto com os cavalos.

6)    O montar e o desmontar

Nem tanto na Espanha, mas nos outros países, principalmente na Inglaterra, não se monta nem se desmonta pelo estribo. Sempre há por perto uma escadinha, um banquinho, um pedestal, para o cavaleiro subir e depois montar ou desmontar sem precisar se suspender pelo estribo. Quando estão nalgum lugar em que não há esses objetos específicos para montar, os cavaleiros se valem de algum desnível, cerca, barranco, pedra, porteira, etc, mas não usam o estribo. E para desmontar treinam, como no Volteio, jogar a perna direita por cima da garupa e saltar caindo de pé no chão flexionando os joelhos. Não gostam de usar estribo para desmontar. Desmontar dessa maneira faz parte do ensinamento de Equitação, não interessa o tamanho do cavalo, pois o fazem até mesmo com pôneis. Estribo é principalmente para firmar o cavaleiro quando montado, não para montar ou para desmontar. Isso tem, pelo menos, duas vantagens. Primeira, prolonga bastante adurabilidade do loro esquerdo da sela. Segunda e mais importante,montando e desmontando daquela maneira não castigamos a coluna do cavalo colocando o peso todo nosso peso, ainda que por instantes, só de um lado. Se pensarmos quantos milhares de vezes um cavalo de sela é montado e desmontado ao longo da sua vida, esse cuidado certamente faz diferença na preservação da coluna do animal e, consequentemente, da saúde geral e vida útil dele. A preocupação com o bem-estar e a saúde do cavalo deve vir em primeiro lugar.

7)    O cavalgar

Fora das pistas e como por lá o cavalgar quase não se faz pelos campos particulares, já que as propriedades quase sempre são pequenas, normalmente os passeios são pelas margens das estradas e pelas ruas das cidades. E aí reside a grande diferença. É impressionante e maravilhoso o respeito que os motoristas de lá, principalmente na Inglaterra, demonstram pelos cavalos e pelos cavaleiros. Primeiro porque há parques planejados só para cavalgadas. Nos outros parques, não específicos para essa atividade, sempre há trilhas demarcadas para esse fim. Mas o cavalgar é aceito e comum até nas ruas da maioria dascidades.Há legislação para isso. E todos os motoristas quando veem um cavaleiro, diminuem a velocidade rodam bem devagar. Uns chegam a parar e outros, como presenciei, chegam a dar ré para facilitar a vida dos cavaleiros. Há um apreço e uma reverência muito grande pelo cavalo e pelo cavaleiro. Quase todos acenam sorrindo para quem está montado. É simplesmente encantador.

Certa feita quando fomos atravessar uma autopista, acreditem se quiserem, os carros e caminhões quando, de longe, nos viam aguardando na beira da estrada já iam logo diminuindo a velocidade e chegavam a parar para que pudéssemos atravessar a rodovia em segurança.Incrível.

 Outra vez, numa rua estreita de um vilarejo, o motorista de um belo carro conversível chegou a parar e desligar o motor para que pudéssemos passar tranquilamente. Agradeci, mas ele retrucou e disse -não agradeça, é meu dever e meu prazer!

Conclusão

Claro que existem muitas outras diferenças. Nem tudo que lá é bom tem, necessariamente, que ser também bom aqui. Neste artigo procurei comentarapenas as diferenças mais fáceis de copiar e mais úteis de adotar. Temos no Brasil algumas vantagens como mais espaço e mais cavalos, mas estamos longe de alcançar o nível de cultura equestre desses países mais desenvolvidos. Pelo menos no que se refere ao respeito e ao bem-estar equino poderíamos passar, desde já, a trabalhar para nos igualarmos. É só uma questão de consciência e de educação eqüestre.

 

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Raça Marchador Edição 1

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