Segundo o professor e pesquisador australiano Angus O. McKinnon uma égua torna-se uma égua problema quando dela não conseguimos uma gestação após três ou mais ciclos dentro de uma estação de monta. Incluo nessa definição tais tentativas serem realizadas utilizando-se garanhões de fertilidade conhecida e sendo o manejo reprodutivo realizado dentro de um adequado programa de reprodução. Seguindo com o raciocínio o pesquisador prossegue: “A verdade pura e simples, que nossos clientes precisam compreender, é que o que resulta em concepção e manutenção da prenhez em éguas problema são o trabalho duro e a obediência aos princípios e às técnicas de manejo estritamente científicos.”
O fato é que cuidar e reproduzir uma égua problema quase sempre é um grande desafio. Um processo que, considerando todas as diversas variáveis envolvidas: nutrição, sanidade, manejo e sêmen de excelente qualidade (inclui os devidos cuidados na colheita, manipulação e envase para uma ótima qualidade microbiológica), ainda requer qualidade técnica do Médico Veterinário responsável, atitude, tempo, dedicação, resiliência e uma grande capacidade de lutar contra a frustração. Importante frisar que essas características são necessárias para todos os envolvidos: o veterinário e sua equipe, o gerente do haras e sua equipe e principalmente o proprietário. Aqui estamos falando de muitas pessoas e de muita expectativa envolvida em todas as etapas do processo.
O leitor pode estar pensando que essa coluna começa abordando um tema muito técnico e potencialmente polêmico. A resposta a esse potencial questionamento é bastante simples. Trabalhando direta e intensamente com reprodução equina pelos últimos 20 anos sou testemunha das grandes mudanças que ocorreram com a atividade “criação de cavalos” nos últimos tempos. Na realidade tantas mudanças tem relação direta com tantas outras com as quais temos convivido, considerando desde o desenvolvimento tecnológico que se reflete em mais e melhores protocolos de diagnóstico e tratamento, o aumento quase exponencial de novos profissionais em todos os segmentos do mercado, as alterações nos modelos de criação de equinos com o surgimento do conceito de parcerias e condomínios em um número significativo de animais, a atual relativa facilidade em se reproduzir éguas e garanhões que estejam nos mais distantes pontos do país e, finalmente, todas as questões envolvidas no pujante e dinâmico mercado do Mangalarga Marchador.
Sob a análise de como o atual contexto do Mangalarga Marchador tem impactado o específico segmento “Reprodução Equina” a discussão precisa, obrigatoriamente, avançar e contemplar as novas demandas que foram e estão sendo criadas pelo mercado. Hoje todos temos acesso a um volume enorme de informações técnicas que podem orientar os iniciantes na criação de cavalos. Todos os passos iniciais de um criatório são extremante importantes, mas já estão exaustivamente descritos em diversas fontes. Precisamos seguir em frente nas discussões e, principalmente, na elaboração de soluções efetivas para os desafios que atualmente se apresentam.
Em função dessa percepção iniciei o texto falando da “égua problema”. Penso ser esse o nosso principal obstáculo na busca por um aumento de produtividade e eficiência nos programas de reprodução do Mangalarga Marchador. A discussão passa pelo diagnóstico exato da situação e pelo desenvolvimento das soluções necessárias.
O que caracteriza uma égua nessas condições? A resposta como sempre é multifatorial e pode incluir algumas ou mesmo todas as patologias a seguir: falta de atividade ovariana e/ou ciclos estrais anormais (ciclos ruins); falhas de ovulação; falhas na defesa imune e/ou baixa imunidade; alterações uterinas inflamatórias agudas e/ou crônicas; infecções uterinas; lesões cervicais e má conformação do períneo.
A questão avança para discutirmos o porquê cada vez mais éguas estão neste quadro degenerativo. Penso que essa situação torna-se ainda mais grave porque estamos aqui falando de nossas éguas mais valiosas e, paradoxalmente, talvez esteja neste fato a raiz do problema “égua problema”. Geralmente essas éguas estão dispostas nos seguintes quadros: são animais valiosos e que muitas vezes pertencem a condomínios; muitas possuem idade elevada, lesões e quadros clínicos crônicos; demandam acompanhamento intensivo e tem uso reprodutivo ininterrupto sem o devido descanso fisiológico (gestação). O resultado é que muitas vezes o somatório, em termos reprodutivos, é o resultado ruim ou abaixo do esperado, gerando frustração, desânimo e perdas econômicas e de qualidade de vida para nossos animais.
A situação está exposta e cabe a todos nós, direta e indiretamente envolvidos, nos empenharmos na melhor solução possível para a resolução do que vejo como de importância crucial para o desenvolvimento do nosso cavalo. Conversando com clientes e colegas tenho visto uma pequena luz no final desse túnel, mas ainda incipiente e bruxuleante. Conto com o amigo leitor para enriquecer essa discussão ao longo do tempo permitindo que na próxima edição tenhamos a continuação dessa “prosa” já olhando um horizonte mais promissor.